terça-feira, 3 de março de 2009

Luta contra a Farra do Boi registra avanços

A luta pelo fim da prática da Farra do Boi registrou na última semana mais um avanço significativo. O Juiz Luiz Felipe Siegert Schuch titular da Vara de Rogatórios, Precatórios e Concordata da Comarca da Capital, julgou improcedentes os embargos feito pelo Estado às entidades que propuseram ação civil pública contra a prática da Farra do Boi em Santa Catarina.
De acordo com a setença, o Estado terá que pagar multa que poderá ser superior a 1 milhão de reais por descumprir, no período de 1999 a 2006, determinação judicial que proibe a realização da Farra do Boi em território catarinense.

A sentença chega num momento oportuno, na medida em que ocorre na ante-sala da Quaresma, quando com ou sem decisão do STF, a farra do boi é ainda praticada em algumas comunidades do litoral catarinense.

Vinte anos de luta
Desde 1997, depois de um longo processo legal iniciado em 1989 e levado a instância superior, a Farra do Boi foi proibida por acórdão do Supremo Tribunal Federal – STF, como sendo intrinsecamente cruel e portanto atentatória à Constituição Federal Brasileira, ficando o Estado de Santa Catarina obrigado a impedir a realização de tal prática em seu território.
Apesar da decisão do STF, a Farra do Boi continuou a acontecer e foi seguida, ao longo dos anos, por intensivas campanhas contra essa prática por parte da WSPA Brasil (Sociedade Mundial de Proteção Animal) em parceria inicialmente com a ACAPRA (Associação Catarinense de Proteção aos Animais).

Após sua criação, o Instituto Ambiental Ecosul, em Florianópolis se tornou o principal parceiro da WSPA, sendo seu coordenador, Halem Guerra Nery, o principal artífice de nossas campanhas que incluíram desde reuniões com autoridades de Santa Catarina, como Governadores e Secretários de Segurança, Polícia Civil e Militar, Promotoria Pública e outros, até a realização de programas educativos, concursos em escolas, protestos públicos, coleta de assinaturas e mensagens do exterior, divulgação em outdoors e na mídia.
A própria Secretaria de Segurança do estado chegou a afirmar publicamente para a imprensa que a farra estava permitida em mangueirões e sem violência. De acordo com declarações feitas por autoridades policiais ao Diário Catarinense em 2004, a relutância pela proibição do evento vinha dos próprios políticos, já que muitos doavam o boi em troca de voto.

“Temos prefeitos que precisam dos farristas para se eleger.” - Coronel Valmir Cabral-Chefe do Estado Maior e Sub-Comandante da Policia Militar de SC. (Diário Catarinense – 26/03/04)
“O Comandante da Policia Militar da Região de Governador Celso Ramos, Capitão Marcos Aurélio Linhares declara que políticos participam da farra.” (Diário Catarinense- 04/05/04)
“Então, a atitude do governo vai ser, se depender de mim, de que a polícia tome uma decisão de observação para que não ocorram maus-tratos aos animais, sem..., sem violência...” (Luiz Henrique da Silveira-Governador de SC em entrevista à TV Barriga Verde - Março-2006)
Segundo a Gerente de Desenvolvimento da WSPA Brasil, Elizabeth Mac Gregor, a repressão das autoridades catarinenses sempre se mostrou muito fraca.

Ação Judicial

Para exigir o cumprimento da decisão estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal em 1997, o Dr. Carlos Barzan, advogado de Florianópolis simpatizante da causa animal, contratado pela WSPA entrou no ano de 1999 com uma ação judicial no estado de Santa Catarina. A sentença do desembargador Mauricio de Melo, em 2000, reconheceu a necessidade de tal cumprimento e estabeleceu multa de R$ 500,00 por dia de realização de farras.
Em 2006, diante de todas as provas de negligência e até de apoio governamental à prática da farra do boi, mais uma vez o Dr. Carlos Barzan, munido com um longo dossiê apresentado pela WSPA e o Ecosul, entrou com um processo judicial para cobrar o pagamento da multa de R$ 500,00 estabelecida em 1999 pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina.
O contéudo do dossiê foi elaborado a partir de matérias jornalísticas, imagens da farra inclusive com a participação de representantes do executivo e legislativo municipais de comunidades farristas, entrevistas em rádios e TVs e outros documentos relevantes.

Penalidade

Só agora, em 2009, a justiça concedeu parecer favorável ao processo e determinou que o Estado pagasse multa de 950 mil reais, podendo ultrapassar 1 milhão, caso sejam acrescidos os juros. O valor foi calculado levando-se em consideração o período de desobediência. No total foram contabilizados 1.091 dias.
A quantia deverá ser depositada na conta do “Fundo Estadual para Reconstituição de Bens Lesados”. Como membro do conselho gestor do fundo, o Instituto Ambiental Ecosul irá propor que parte da verba seja revertida para a ampliação do projeto educativo "Formação de Valores para o Respeito a Todas as Formas de Vida”. Esse projeto é voltado para o combate à violência e a busca de uma sociedade mais equlibrada, justa e pacífica para todos os seres vivos.
Segundo o Dr. Carlos Barzan essa quantia refere-se apenas ao período até 2006 e que a partir da apresentação de outros indícios, essa pena pode ser aplicada aos anos posteriores.
— A penalidade deve ser aplicada até que essa prática bárbara seja definitivamente erradicada, avalia Barzan.

A Farra do Boi e a sua origem

A Farra do Boi é um dos rituais mais violentos que envolve maus-tratos contra animais. Essa prática teria sido trazida por imigrantes portugueses da Ilha dos Açores para comunidades litorâneas do estado de Santa Catarina.
O evento acontece com mais freqüência durante a Quaresma. Esse período se inicia na Quarta-feira de Cinzas e termina na Sexta-feira Santa. A Farra se inicia quando os “farristas” – homens, mulheres e até crianças – correm atrás do boi com pedaços de pau, faca e outros objetos cortantes. Normalmente, o boi fica dias sem comer e é brutalmente ferido e morto. Na tentativa de fugir dos farristas, muitas vezes os bois correm em direção ao mar e acabam se afogando.
Fonte: WSPA Brasil

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