O aluguel de cachorros populariza-se no Brasil e no exterior, mas levanta a discussão sobre até que ponto o homem pode dispor dos animais.
Uma tentativa de assalto à casa da veterinária Fabíola Setim Prioste, em abril de 2006, levou-a à decisão de instalar câmeras, mas o prazo de um mês para a realização do serviço a desanimou. Foi aí que ela optou por outra forma menos comum de garantir sua segurança: o aluguel de cães de guarda. "Naquela época, meu marido estava trabalhando no Rio e eu ficava sozinha com as crianças em São Paulo. Sem as câmeras, pensei em alugar um cão", disse Fabíola. Johnie foi o cão eleito.
Muito magro, com o pêlo opaco e temperamento dócil, o pastor alemão nunca havia tido uma casa ou brincado em um gramado. O animal de aluguel latia histericamente durante a noite e, apesar de perturbar o sono da família, manteve a casa segura. Uma semana depois, Johnie apresentou uma séria diarréia, e o canil que o alugou ignorou as diversas tentativas de Fabíola de falar com o veterinário responsável. A família decidiu cuidar do cão por conta própria e o acabou comprando após o término do contrato de locação, para a alegria dos quatro filhos. Fabíola é um dos exemplos de um mercado em expansão.
O aluguel de cães de guarda popularizou-se na última década e hoje conta com muitos canis especializados, sobretudo nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro. No entanto, ainda não há uma associação que reúna esses canis nem uma estimativa da participação desse segmento no mercado pet, que cresce cerca de 10% ao ano. Os "inquilinos", geralmente empresas, afirmam que o cão complementa a ronda feita pelos vigias, pois está sempre alerta. Imobiliárias e construtoras costumam também manter animais nas obras em andamento, para evitar invasões. Francisco Júnior, um dos proprietários da empresa paulistana de locação de cães Matrix, viu seu negócio crescer muito nos últimos dez anos. "O cão gera um efeito psicológico muito grande. Deixa o vigia mais seguro e inibe o criminoso", afirma. Com 40 cães e cerca de 25 clientes fixos, a Matrix oferece mensalidades que variam de R$ 450 a R$ 700, dependendo do grau de adestramento do cachorro.
O laboratório Roche utiliza seis cães da Matrix há mais de cinco anos. Os seguranças recebem treinamento três ou quatro vezes ao ano, para aprenderem a melhor forma de tratar os animais. "Os cachorros têm forte vínculo com os seguranças, é como se eles fossem seus donos", afirma Daniel de Conceição Rodrigues, técnico em segurança do trabalho da empresa. Se no Brasil o foco desse mercado está na segurança patrimonial, em países como os Estados Unidos, Inglaterra e Japão as pessoas procuram cães apenas para servir de companhia, sem ter as responsabilidades de um dono, como o cuidado em horário integral. Nova York foi pioneira no serviço, que logo se espalhou por todo o país.
Contudo, a pressão por parte dos ambientalistas foi tão grande nos Estados Unidos que hoje muitos Estados proíbem a prática. No Japão, é possível alugar cães em diversas cidades. Na rede de lojas especializadas Janet Village, o aluguel pode ficar entre 1.575 ienes (R$ 25) por hora para cães pequenos e 2.100 ienes (R$ 34) para animais maiores. Os pacotes mais populares são a diária e o aluguel por duas horas.
Maus tratos
Nem todos os cães de aluguel têm a mesma sorte dos animais da empresa Roche. Eles apresentam com freqüência problemas físicos e psicológicos quando não têm um dono ou tratador que se responsabilize por eles. De acordo com Marta Giraldes, coordenadora da ONG Aliança Internacional do Animal, muitos canis alugam às empresas de vigilância animais que sobraram das ninhadas destinadas à venda. Esses cachorros muitas vezes passam por diversos donos, sem nunca estabelecer um vínculo com alguém, o que pode gerar distúrbios de personalidade. "Os cães alugados costumam ser subalimentados. Se não é a empresa quem fornece a ração, os locatários muitas vezes não dão a comida necessária aos animais", afirma Marta.
Denúncias de maus-tratos são freqüentes, e muitos cães morrem jovens, vítimas de exaustão ou inanição. Quando não estão mais aptos ao trabalho, alguns são sacrificados. A prática de alugar cães já foi proibida em Curitiba. No ano passado, um projeto de lei para regularizar o serviço chegou a tramitar na Câmara Municipal, mas entidades de defesa dos animais conseguiram arquivar a proposta e propor sua proibição, que foi regulamentada em janeiro deste ano, com multas de até R$ 500 por animal para quem descumprir a lei.
No estado de São Paulo, tornou-se lei um projeto do deputado Feliciano Filho (PV) que proíbe os centros de zoonose de sacrificar cães e gatos abandonados. A norma, porém, nada diz a respeito do aluguel de cães de guarda. Segundo o deputado, as empresas de locação que maltratam os cães devem ser punidas, mas ele pondera que alguns canis são sérios e garantem a saúde dos animais por meio da visita diária de um tratador. "As ONGs doam às empresas de segurança muitos cães ferozes que foram abandonados", afirma Feliciano.
Marta Giraldes diz que os canis e clientes dos cães alugados deveriam ver como são tratados os cachorros que trabalham com policiais. "Os cães da polícia e do Exército são um exemplo", afirma Marta. Treinado desde filhote, vacinado e bem alimentado, o animal pode trabalhar junto com um policial por até 5 anos.
Fonte: Época
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